
Dra Juliana Freitas, professora assistente do Departamento de Anatomia Patológica e Medicina Legal da FMB-UFBA
Patologia é uma residência de acesso direto e que dura três anos. Na Bahia, apenas o Complexo Hospitalar Universitário Professor Edgard Santos oferece 02 vagas para a residência na especialidade.
Para saber mais sobre a residência em Patologia, entrevistamos a Dra Juliana Ribeiro de Freitas, Médica Patologista, formada pela Faculdade de Medicina da Bahia/UFBA, com Residência Médica em Patologia pela USP, Título de Especialista em Patologia pela Sociedade Brasileira de Patologia. Tem Mestrado e Doutorado em Patologia Humana pelo programa UFBA/Fiocruz. Atualmente, ela é Professora do Departamento de Anatomia Patológica e Medicina Legal da Faculdade de Medicina da Bahia/UFBA, Médica Legista do Laboratório de Anatomia Patológica do Instituto Médico Legal Nina Rodrigues e Patologista Cirúrgica. Confira:
COMO FOI SUA ESCOLHA?
"Eu tenho um viés muito grande já que conheci a especialidade porque o meu pai é patologista. Sou filha de dois médicos: minha mãe é cardiologista e meu pai é patologista. Mas eu fiz questão, desde o início da faculdade, de conhecer várias áreas. Na verdade, eu só decidi por patologia quase no final do sexto ano [...] Participei de iniciação científica na Fiocruz durante um período de greve na faculdade [...] entrei no programa de monitoria da disciplina de Patologia [...] passei quase 2 anos como interna voluntária numa clínica de Oncologia participando de sessões científicas e [...] havia visita aos pacientes internados. Era frequente discutir os laudos de patologia dos pacientes internados com os patologistas do hospital. Tinha um laudo de anatomia patológica, aí a gente foi no serviço de patologia conversar com o patologista. E eu comecei a pensar que era daquilo que eu gostava. Eu gosto de estudar doenças, o que o paciente tem, quais são os fatores de um tumor, o que isso interfere na vida desse paciente.
Foi uma conjunção de fatores, teve essa questão de que eu vi a patologia inserida num contexto clínico, e eu tive exemplos muito bons de médicos que me mostraram que para ser um bom patologista você tem que ser um bom médico. Não existe um bom patologista que não saiba medicina, clínica médica ou como raciocinar clinicamente. E eu vi isso na prática.
Aliado também ao fato de que esse contato muito direto com o paciente e de ter de acompanhar dramas e situações muito sofridas começaram a me marcar muito. Me fizeram pensar que eu não sabia se era isso que eu queria para a minha vida, no sentido de estar tão perto assim do paciente. Mas eu poderia participar dessa equipe que cuida do paciente através do meu trabalho de Patologista. Dar o diagnóstico correto, entender o contexto clínico daquele paciente diante daquela amostra que eu estou analisando.
Acho que também tinha uma questão pessoal minha, eu sempre tive um pouco dessa veia de professor e de pesquisa. Eu fui monitora de biologia celular, fui monitora de patologia… E eu acho que a patologia também tem essa pegada acadêmica. Eu vi que era uma especialidade que reunia esses aspectos de você ter que ser um bom médico do ponto de vista do raciocínio clínico, e de você ter, por outro lado, uma ação mais independente, no sentido de ter esse contato com o paciente. Eu acho que isso é um traço pessoal meu, eu não sabia se ia querer isso, por essa minha característica de me envolver com o paciente e que veio mais forte para mim com essa paciente do SUS que eu atendi lá na UDAI. Além dessa questão de ser uma especialidade que está sempre na discussão multidisciplinar, que era um ponto também que eu gostava bastante."
QUAL O PERFIL DO CANDIDATO?
"Eu acho que, principalmente no passado, o estereótipo do patologista era aquele esquisito que não gosta de gente, trabalha lá no porão, dá o laudo dele e não quer saber. Isso não existe. O patologista hoje tem um papel fundamental, não só no diagnóstico - porque é uma especialidade diagnóstica - mas tem um papel fundamental na equipe multidisciplinar.
O patologista precisa comunicar, se ele não se comunica fica bastante limitado porque enquanto o clínico fala o tempo todo com o paciente ou com a família do paciente, o patologista fala o tempo todo com os colegas: o colega que fez a biópsia ou que está esperando um resultado para tratar o paciente. O patologista não trabalha sozinho, apesar de muita gente achar que sim. O clínico faz o consultório dele com o paciente, o patologista não, a gente geralmente trabalha na equipe. Eu trabalho numa equipe que tem 13 patologistas, por exemplo, com várias subespecialidades.
Por outro lado, geralmente os patologistas têm a característica da organização. A gente trabalha sempre checando amostra, o nome do paciente, conferindo o nome que está na lâmina. É uma especialidade que, apesar de você trabalhar com outras pessoas, requer de você um importante grau de concentração.
Acho que em relação ao perfil, deve ser uma pessoa que goste de estudar as doenças, já que é um conhecimento que muda muito rápido. A Medicina toda muda muito rápido, mas hoje, com a era molecular, está muito mais rápido. E uma pessoa que tenha esse perfil de ter um poder de concentração, de trabalhar sozinho mas que também seja capaz de se comunicar com os colegas patologistas e nas equipes multidisciplinares. Além de atender pacientes também, porque existem pacientes que ligam e querem falar com o patologista. Você é médico, não pode se furtar de conversar com o paciente se ele quiser."
COMO MONTAR O CURRÍCULO?
“Depende muito do programa que você quer. Você deve pensar em quais lugares tem uma boa residência de patologia. Quando eu escolhi o local para fazer minha residência, queria um lugar que tivesse necrópsia. Nos meus primeiros seis meses de residência eu só fiz necrópsia, porque quando a gente sai da faculdade não lembra aquelas coisas de histologia. Então a necrópsia é um excelente exercício para o patologista.
Então o primeiro ponto foi esse: eu queria ir para um hospital que tivesse necrópsia, que tivesse volume cirúrgico (porque eu poderia fazer as congelações que são importantes de treinar), e eu também queria um hospital que tivesse volume de biópsias porque grande parte da rotina do patologista - a maior parte, atualmente - é estudar biópsia gástrica, de colo de mama, de colo de útero, de pele…
O primeiro ponto era esse e depois eu olhei muito como era o programa acadêmico: se tinha assistente e preceptor para checar, se tinha orientação e se tinha o que eles chamam lá de R4, que em São Paulo é muito comum. Esse R4 é uma pessoa que terminou a residência mas que vai ficar mais um ano no serviço atuando em alguma área por vontade dele, e ganha uma bolsa por isso. Ele coordena os residentes e ensina a fazer macroscopia.
Eu queria ver também se era um programa que tinha sessões, que tivesse essa interação com outras áreas cirúrgicas, porque a patologia geralmente está ligada ao departamento de cirurgia ou mastologia. E eu visitei os serviços, na verdade. Me lembro que, na época, pensei em 3 lugares: USP, Unicamp e Unesp em Botucatu. Tive a oportunidade de ir a São Paulo, tinha família lá e visitei esses três serviços.
Eu tentei um lugar que reunisse essas características e terminei ficando na USP. Na verdade eu só passei na USP, passei na primeira etapa da Unicamp e Unesp mas fui aprovada na USP e fiquei bem satisfeita com a minha residência. Eu também queria fazer área acadêmica, mas como eu queria voltar para Salvador, aqui a gente é bem servido de pós-graduação em patologia, o programa é muito bom, então eu estava mais tranquila em relação a isso. Mas na USP se eu quisesse fazer um doutorado direto eles têm um programa que permite isso, para quem quer fazer área acadêmica."
FICAR OU NÃO EM SALVADOR?
“Só tem residência aqui no Hospital das Clínicas, temos excelentes patologistas formados aqui, é uma escola de Patologia que formou muita gente que teve importância histórica em relação à descrição da patologia da Doença de Chagas e Esquistossomose. É uma escola que atraía pessoas de outros lugares no Brasil, as pessoas vinham para Salvador para fazer residência em Patologia. E como ela tem essa ligação com a pós-graduação, muitas pessoas vinham para fazer a residência e a pós-graduação também.
A gente tem residências boas em outros locais também, não é só em São Paulo. Tem residências boas no sul do país, em Belo Horizonte, em Recife… Mas eu realmente queria um hospital que tivesse volume cirúrgico e o hospital das clínicas aqui, na época, tinha um problema sério: não tinha volume cirúrgico nem de biópsia, então esse foi o principal motivo para mim."
QUAL A ROTINA DO RESIDENTE?
“Na USP a gente tinha no R1 seis meses de necropsia [...], os seis meses não precisavam ser seguidos, eu poderia fazer dois meses, depois ir para patologia diagnóstica e no final podia voltar para fazer mais dois meses. Mas eu optei por fazer seis meses direto.
O programa lá era grande, com seis residentes brasileiros e tinha uma vaga para estrangeiros. Então os primeiros seis meses eu fiquei direto na necropsia, aí depois a gente vai para patologia diagnóstica. O R1 tinha a peça de R1. Então você aprende a fazer vesícula biliar, apêndice cecal, que são peças mais simples. Você aprende a fazer a macro e recebe a lâmina daquelas peças.
Tudo que chegou do centro cirúrgico o R4 divide a rotina entre todos os residentes, então todo dia de manhã eu tinha minha pilha de casos para fazer. Eu ia para a macroscopia que basicamente no início alguém estava lá para me ensinar, mas depois eu ia fazer sozinha. Depois o material era processado e no dia seguinte na USP a gente já recebia a lâmina. De manhã eu fazia a macro e de tarde eu estudava. Quando recebia as lâminas ao longo do dia e eu já ia dando os laudos para no dia seguinte eu checar com a assistente em um microscópio de dois observadores. Você vai aprendendo assim descrevendo e dando diagnóstico. Além disso, todos os dias ao meio-dia a gente tinha reuniões com especialistas de cada área porque existem assuntos muito específicos. Então você sentava no microscópio de 15 observadores e podia ver os casos de todo mundo com o especialista da área e todos discutiam. Toda segunda-feira existia o Star Case onde se apresentavam os melhores casos.
Já no segundo ano você faz mais a patologia cirúrgica. Há um mês da congelação, você fica mais no centro cirúrgico, tem muito trabalho e você pega peças mais complexas para fazer macro. Dá muito diagnóstico, logo você pode se interessar mais em uma subespecialidade e acompanhar o professor assistente daquela área em reuniões com a clínica ou a cirurgia. Eu sempre gostei muito de mama e quando era R2 acompanhava muito a professora que era a patologista da área, que fazia sessões com a Radiologia e a Mastologia.
No R3 você faz muita congelação e macro em um dia e micro no outro. Pode também fazer estágios opcionais fora por 3 meses. Existe um plantão de necropsias na R2 e na R3 com uma escala que todos os residentes participam no horário de 18:00 e 22:00 horas que raramente acontecia. Na residência também você aprende muito sobre a gestão técnica, o controle de qualidade do laboratório, das colorações e imunohistoquímica."
QUAL DOS ANOS CONSIDERA MAIS DESAFIADOR?
"Para mim foram as necropsias do primeiro ano de residência, porque na graduação a gente vê muito pouco mesmo, mesmo eu já tendo feito estágio no Instituto Médico Legal Nina Rodrigues. Tive muito medo de não aguentar, mas fui me desenvolvendo e consegui realizar 150 necropsias nessa caminhada. Essas necropsias são um pouco diferentes das realizadas no IML porque são necropsias clínicas, ao contrário do IML que são por mortes violentas. Para isso, os técnicos ajudaram muito, além dos professores."
FAZER OU NÃO SUBESPECIALIZAÇÃO?
"Depende muito do seu objetivo de vida: existem pessoas que querem ser médicos da família, são do interior e quando formarem querem voltar para trabalhar na sua comunidade e isso é muito importante. O meu objetivo era morar em uma cidade grande em Salvador ou maior ainda, e queria ser patologia cirúrgica além de seguir a carreira acadêmica, então meu objetivo levava a subespecialização. A patologia mamária me interessou desde quando era estudante. Eu me inscrevi em congressos relacionados, alguns eventos que eu nem lembrava. É um interesse muito antigo meu.
Também penso que a vida do médico está bem complicada no sentido de qualidade de vida e inserção no mercado de trabalho. Quanto mais você se subespecializa, é bom em uma área, sua remuneração será melhor. Existem muitas escolas médicas que formam pessoas e não tem corpo clínico para ensinar, que não tem hospital para internato e não sabemos a qualidade desses estudantes. Então quem estudar mais, quem for dos melhores centros vai se destacar na escolha das opções profissionais. Na Patologia do Brasil, ao contrário dos Estados Unidos, após você fazer residência e a prova de título, não há a subespecialidade formal dentro da Patologia: os patologistas buscam suas subespecialidades por conta própria fazendo estágios, mas sem título da subespecialidade.
Eu tive bastante privilégio por ter pais que podiam bancar meu estudo e muitos colegas de residência tinham que trabalhar para se manter. A mensagem que eu posso deixar é: enquanto você é jovem e tem saúde, aproveite as oportunidades que você tem. Eu sou muito feliz em acordar e ir trabalhar com o que eu gosto e não me vejo fazendo outra coisa na Medicina."
COMO É O COMEÇO DA CARREIRA?
"Patologista é o médico em extinção, falta patologista no mundo inteiro e em alguns países existem programas de incentivo aos médicos para a especialidade. Primeiro porque o patologista não tem muito contato com paciente e a maioria das pessoas que escolhem a Medicina desejam esse contato. Também é uma área que não tem muito glamour porque você não vai “salvar a vida” de um paciente diretamente e isso traz muita satisfação pessoal ao médico. Além disso, é uma área que poucos conhecem suas particularidades e que também por muito tempo não pagava muito bem, mas hoje é um mercado bem aquecido financeiramente. Aqui se você é bem formado e é um bom residente, os laboratórios vão querer você porque é um meio muito pequeno e todo mundo se conhece. Se você vai trabalhar com alguém e a pessoa tem um bom olho, tem um bom relacionamento interpessoal, é muito bom, já que é uma área que você trabalha em grupo e as pessoas checam suas lâminas. Os laudos malignos de onde eu trabalho não saem sem assinatura de outro patologista, é o nosso sistema de qualidade. A gente trabalha muito e eu me policio para não trabalhar de domingo a domingo, porque existe muita amostra e somos poucos e é um trabalho que ainda depende muito do profissional, logo, é uma área que está bastante aberta para novos profissionais.
O ideal é buscar um laboratório que tenha uma equipe que vai te acolher como esse jovem patologista, porque demora um tempo para você maturar. Estude, faça a sua parte, porque você precisa de indicações. Procure o laboratório que faça seu perfil. Se possível, você também pode fazer uma subespecialização logo após a residência, um fellow em pesquisa, também é importante."
QUAIS AS VANTAGENS E DESVANTAGENS DA ESPECIALIDADE?
“A maior vantagem para mim é você poder estudar doenças. É muito gratificante estar numa especialidade em que você possa estudar mais sobre doenças que te interessam. Além disso, a autonomia de tempo para organizar o seu dia. Eu sou uma pessoa mais diurna, então olho mais lâminas pela manhã e eu vou mais para a congelação pela tarde por ter menor demanda no serviço, mas tem gente que é mais vespertina. E se durante a semana tiver um congresso eu posso ir e trabalhar depois no sábado e domingo, respeitando os prazos dos exames, organizando a minha rotina para fazer outras coisas. E a principal desvantagem também está relacionada à autonomia, porque você pode trabalhar muito e tem que colocar limite nisso para não trabalhar em excesso"
DICAS PARA ESTUDANTES?
“Tentar se aproximar de patologistas. Na Fiocruz tem diversas linhas de pesquisa que aceitam estudantes, o Hospital das Clínicas também tem seu próprio serviço de Patologia. O SVO, Serviço de Verificação de Óbitos também existe agora em Salvador, onde você pode tentar uma visita técnica via professor de Patologia para assistir a uma necropsia e depois ver as lâminas dessa necropsia. Ou até buscar os professores das disciplinas e acompanhá-los em um dia de trabalho. No Hospital Aristides Maltez, aqui em Salvador, também existe um programa de estágio para estudantes de Medicina com a professora Iguaracyra Araujo. Buscar conhecer a rotina do médico é importante para a escolha de qualquer especialidade!”.