
Dra. Caroline Fidalgo, professora do Departamento de Saúde da Família da UFBA, da Escola Bahiana de Medicina e Saúde Pública e ex-supervisora do programa de residência em MFC da UFBA
Medicina de Família e Comunidade (MFC) é uma residência de acesso direto e que dura dois anos. Atualmente são oferecidas 50 vagas para residência médica em MFC na Bahia. As áreas de atuação para o Médico de Família e Comunidade são muitas: atenção primária na ESF, saúde suplementar, consultório próprio, docência, home care, cuidados paliativos, auditoria em plano de saúde...
Para saber mais sobre a residência em MFC, entrevistamos a Dra. Caroline Fidalgo, professora do Departamento de Saúde da Família da UFBA, da Escola Bahiana de Medicina e Saúde Pública, mestre em tecnologias em Saúde pela EBMSP, ex-supervisora do programa de residência em MFC da UFBA e ex-vice coordenadora da comissão de residência médica do Complexo Hospitalar Universitário Professor Edgar Santos. Confira:
FICAR OU NÃO EM SALVADOR?
“Não sei dizer qual o serviço melhor. O que eu diria é que existem serviços fora da Bahia muito tradicionais, como, por exemplo, o grupo hospitalar Conceição, do Rio Grande do Sul. Eles já tinham medicina geral e comunitária na década de 80. A USP tem um programa interessante. Tem um posto de saúde escola e os residentes também ficam em unidades de saúde do município de São Paulo.
Talvez seja interessante, o estudante buscar serviços que tenham vinculação com instituição de ensino, que tenha um hospital universitário, que já tenha uma estrutura de ambulatório importante, e que tenha um incentivo do próprio município e seja inserido na rede municipal, para que não fique paralelo ao serviço de saúde.
Eu diria então, que a USP é um bom serviço, UNIFESP, UNICAMP... Em Salvador, estamos avançando muito e caminhando para competir de igual para igual com outros programas. Hoje já temos o estímulo da secretaria municipal de saúde, preceptoria com Médicos de Família e Comunidade. Temos bons programas: UFBA, Bahiana, FTC, Secretaria Municipal de Saúde e a FESFSUS”.
COMO É A ROTINA DO RESIDENTE?
“A medicina centrada na pessoa exige técnica, ferramenta de abordagem familiar e a residência é a melhor forma de preparar esse médico para isso. Todos os programas de residência têm uma carga horária máxima de 60 horas. Embora, a gente saiba que muitos programas extrapolam essa carga horária por ter uma demanda muito grande de trabalho.
O programa de medicina de família e comunidade são 2 anos e no geral o residente fica inserido nas unidades básicas de saúde que funcionam das 08h às 17h. Há uma complementação dessa carga horária com plantões da residência, plantões às vezes de emergência, plantões no centro obstétrico, que podem ser no fim de semana ou noturnos. Às vezes também há aulas teóricas aos fins de semana.
Geralmente, em todo país, existe uma parceria com a Secretaria Municipal de Saúde e o residente recebe uma complementação de bolsa. Então, ele não apenas ganha a bolsa MEC/SESAB, mas ele recebe uma complementação de bolsa de 6 mil reais além da bolsa nacional.
Os residentes ficam 32h na unidade básica e as outras 8 horas em estágios externos: pré-natal de alto risco, saúde mental, dermatologia, reumatologia, geriatria, gestão, home care... A MFC em alguns programas de residência tem R3, que pode ser uma continuidade do programa ou uma especialização em hanseologia ou em paliação.
Em alguns programas de residência como USP e UNIFESP, se o candidato a uma outra vaga de residência já tiver cursado residência de MFC, tem 10% de vantagem”.
COMO É O COMEÇO DA CARREIRA?
“Tem tanta procura do MFC no mercado que não vejo nas propostas a necessidade de tempo de atuação além da residência. O médico de família pode atuar desde a estratégia de saúde da família até consultório particular, home care, assistência domiciliar, emergência, hospital, acompanhar paciente. Meu dia-a-dia, especificamente, é atípico, porque estou hoje na docência e tenho um consultório.
No meu consultório eu faço medicina de família, não é clínica médica, porque tenho uma equipe multiprofissional (nutricionistas, psicólogos, enfermeiro) e essa é a grande diferença, porque o clínico faz muitas vezes um acompanhamento muito isolado e o médico de família precisa de uma equipe. Se meu paciente, por exemplo, tem um AVC, eu vou na casa dele e faço uma visita domiciliar. Se meu paciente internar, vou até o hospital para saber quando terá alta, ajustar medicação, discutir com especialistas.
Na verdade, o dia-a-dia do médico de família depende do que ele escolher. Tudo isso que eu falei é particular, mas eu já trabalhei em planos de saúde, como porta de entrada para o serviço. O primeiro contato do paciente com aquele serviço é com o médico de família e, se precisar do especialista, a gente encaminha. O mais importante é ter clareza que o médico de família não tem como único campo de atuação a ESF.
Temos ampliado muito a nossa atuação, porque cada vez mais a assistência suplementar tem visto que o acesso via médico de família é muito efetivo, pois mais de 80% das patologias, dos problemas de saúde podem ser resolvidos por um médico de família”.
DICAS PARA ESTUDANTES?
“É muito difícil para o estudante escolher porque há uma pressão social muito grande. ‘Vai ser o quê? O médico do postinho?’. É preciso ter determinação. O que eu falo é: se você acha que tem perfil, experimente. Se expor, vivenciar, dar uma chance para saber se gosta. E não se deixar influenciar. Durante muito tempo eu me senti um ET porque gostava de políticas de saúde, mas amava clínica. Encontrei na MFC tudo que eu buscava.
Nós, MFC, somos especialistas em gente. Somos especialistas no cuidado integral à saúde. A gente precisa se empoderar e valorizar o nosso conhecimento. Então, eu diria para o estudante que existe muitos outros como você e um bom profissional é reconhecido, não vai faltar trabalho. Tentem, busquem informação. Eu estou à disposição, inclusive”.
COMO FOI SUA ESCOLHA?
“Eu tinha muitas dúvidas. A gente entra pensando no que vai fazer, desde o primeiro semestre já fica na angustia. Eu tinha muita dificuldade de escolha, gostava de tudo. Só nunca gostei muito de cirurgia. Pensava em fazer clínica médica, endócrino, nefro, mas não me via muito dentro do hospital.
Eu gostava muito dos ambulatórios, de acompanhar os pacientes, conversar... Descobri a medicina de família e comunidade pesquisando, não era ainda uma especialidade tão difundida quanto hoje. É muito importante ter na faculdade um tutor, um mentor, uma pessoa que você possa tirar dúvidas, pedir orientações. Eu tinha essa tutora, que era uma professora do departamento de medicina preventiva. Conversando bastante, ela me disse que se eu gostava de medicina de família, eu deveria fazer.
A Clínica médica tem uma abordagem muito individualizada e o clínico atende basicamente adultos. A medicina de família é independente do ciclo de vida, do gênero e é uma especialidade longitudinal, na qual você acompanha a pessoa ao longo da vida. Fora que a gente tem essa abordagem integral da saúde, a gente não segmenta por patologia, que é uma outra diferença em relação à clínica médica. Enxergamos o paciente dentro do contexto familiar, comunitário, social, psicoemocional. É uma abordagem menos biomédica, mecanicista. A gente tem hoje a medicina muito voltada para essa parte anatômica, morfofuncional e a medicina de família tenta abordar a saúde de uma forma mais ampla.
Conversando com a tutora, ela me mostrou que, na preventiva, você vai ter uma abordagem muito mais de gestão, de epidemiologia, e eu gostava muito de clínica. Eu tinha muita certeza de que queria atender paciente, mas não gostava de hospital. Então, foi mais fácil quando eu entendi que a clínica médica tem sua atuação em emergência, hospitalar e a medicina de família tem esse acompanhamento longitudinal”.