
Dr. Renan Tínel, médico formado pela UFBA e R3 de Medicina de Emergência na USP
Medicina de emergência é uma residência de acesso direto e que dura três anos. Desde 2019 são oferecidas 6 vagas para residência médica em medicina de emergência na Bahia. Os emergencistas fazem abordagem inicial e estabilização de diversos casos, trabalhando em equipe e com tempo limitado. Assim, é preciso que tenham grande conhecimento clínico e também de gestão.
Para saber mais sobre a residência em medicina de emergência, entrevistamos o Dr. Renan Tínel, médico formado pela UFBA e residente na USP. Atualmente, o Dr. Renan está no último ano, o R3, e tem as informações mais atuais sobre o funcionamento da residência e a realidade da área. Confira:
COMO FOI SUA ESCOLHA?
“Sempre gostei de emergência. Fiz parte da liga de emergência, fiz estágios na área, mas nunca tinha encarado como uma carreira. Pensei que era um acesso rápido ao mercado de trabalho e que depois iria para uma especialidade. Pensei em cirurgia primeiro, mas não me identifiquei com o processo de criar consultório, fazer marketing... E queria uma vida em que eu pudesse, ao final de um dia de trabalho, me focar em outras coisas. Assim que descobri a Medicina de Emergência, eu e muitos colegas baianos que trabalharam comigo no SAMU começamos a pesquisar sobre a rotina dos emergencistas. Depois de um ano de formado, tomei essa decisão e estou muito contente com minha escolha”.
QUAL O PERFIL DO CANDIDATO?
“São médicos que buscam muita prática, não gostam de monotonia, têm o perfil de atuar de várias formas, que gostam de estudar. A emergência é bem complexa e se relaciona com todas as áreas. Você precisa ser capaz de discutir com cardiologista, cirurgião geral, anestesista... Um emergencista é uma pessoa que gosta muito da Medicina como um todo. E, claro, que quer ter uma vida mais voltada para a área hospitalar. O carro chefe é o hospital e o plantão. Não é só isso, mas é o principal”.
COMO MONTAR O CURRÍCULO?
“De forma geral, é importante tirar bons frutos de sua experiência. Você publicou um artigo? Ótimo, mas qual foi sua participação? Como trabalhou em grupo? Como contribuiu? Então, é importante você mostrar como colaborou e como aquilo te transformou. A medicina quer pessoas tecnicamente muito boas, mas isso é o mínimo. O modo como se relaciona em grupo é importante, porque você terá que trabalhar em equipe multi. Então, há preocupação em saber como você lida com as oportunidades. Se você fez uma monitoria, como ela te transformou no profissional que você é hoje?
Toda a história dessas atividades deve ser contada, e o modo de contar é praticamente tão importante quanto a própria atividade. Claro que isso é treinável, então, se você tem publicação, monitoria, estágio, não foi um estudante acomodado, isso conta muito. É o que todo mundo quer para um residente. O residente tem que ser resiliente, se adaptar às dificuldades e ser um bom solucionador de problemas, não apenas alguém que se queixa. Se você consegue trazer essa energia na sua entrevista, pontua bem. As pessoas não querem um astro na residência, querem alguém proativo que, na sua história, se mostrou capaz de tornar os ambientes que frequentou melhores”.
FICAR OU NÃO EM SALVADOR?
“Em São Paulo, a residência é três anos mais antiga que a de Salvador e está mais sedimentada em alguns pontos. O que foi decisivo para mim, em São Paulo, é a quantidade de emergencistas que atuam aqui. Eu nunca atuei na residência de Salvador, mas converso com quem está vivenciando. Soube que o hospital tem uma ótima estrutura e que possui várias especialidades. Acho que Salvador tem o potencial de ser a principal residência de medicina de emergência no Nordeste. Mas, falando do que vivo, em São Paulo, temos um ambiente muito bem formado: assistentes emergencistas, serviços particulares voltados para a ação do emergencista, muita gente que veio do Sul e do Ceará colaborando para esse serviço se desenvolver. E aqui estão também as pessoas que produzem os principais trabalhos na área; é onde as coisas chegam primeiro. Mas acredito que essa mentalidade vai se espalhar.
O que tem de muito bom na residência que eu faço é que é o maior centro hospitalar da américa latina. Atendemos do mais simples ao mais complexo de várias áreas: GO, pediatria, clínica médica, cirurgia, otorrino, oftalmo, ortopedia, psiquiatria, oncologia... Acho que é uma residência mais madura e tenho muitas oportunidades. Mas acredito que Salvador ainda vai crescer bastante, até porque existem muitos baianos aqui que querem voltar para colaborar com o serviço de Salvador”.
QUAL É A ROTINA DO RESIDENTE?
“A residência de medicina de emergência é mais horizontalizada. Você vai ganhando experiência e rodando em mais lugares diferentes ao longo dos anos, e também desenvolvendo papeis diferentes. No Pronto-Socorro (PS), o R1 tem a visão voltada apenas para o paciente; o R2 se preocupa com o paciente e cuida da gestão da sala; o R3 atende o paciente, vê a gestão da sala e do PS como um todo, vê a questão das vagas... A gente sempre toma decisões no PS: gerimos riscos, gerimos leitos, vemos se o paciente precisa internar, se terá alta, quais exames tem que fazer... Somos formados para tomar decisões.
Fora do Pronto-Socorro, nas especialidades, os rodízios se tornam mais horizontais. Quando rodo no PS da oftalmo, rodo como um residente de oftalmo; no PS de otorrino, como um de otorrino; e assim por diante. É bom, porque a gente aprende essas especialidades todas. Mas sempre voltamos ao nosso PS geral, onde a gente se aplica também na gestão e coordenação”.
COMO É O MERCADO DE TRABALHO PARA O CONCLUINTE?
“O mercado de trabalho está aberto e ainda vai continuar aberto por um tempo, porque a demanda por esses profissionais é altíssima e eles não estão muito disponíveis. Então, quem está formando agora, desde o R2 e o R3, já está recebendo propostas muito boas. Quanto à questão salarial, muitos hospitais têm pago adicionais no plantão para o médico emergencista, então a recompensa financeira também é muito interessante. Além disso, os emergencistas têm boas oportunidades na área de gestão. Quase todo emergencista tem uma visão muito boa como gestor da emergência, então invariavelmente essas oportunidades vão aparecer para todos. É bem comum os emergencistas virarem chefe do plantão, entrarem na coordenação do PS...
Sobre a qualidade de vida, plantão realmente é o carro chefe, porém existem diversos tipos de plantão. Um plantão em que você tem uma equipe treinada, uma estrutura adequada, um pronto-socorro com fluxos bem definidos, esse é bem prazeroso. Todo mundo pensa que plantão é sempre um caos, mas na maioria dos centros bons não vai ser assim. Existem, inclusive, plantões mais curtos, de 6 ou 8 horas, aqui em São Paulo é bem comum.
E ‘qualidade de vida’ é um termo muito abstrato. Qualidade de vida para mim pode não ser o que é para outras pessoas. Eu prezo muito por tempo otimizado, então tenho muita qualidade de vida como emergencista porque consigo condensar minhas horas de trabalho naquele horário e, quando saio do plantão, não fico preocupado com ligações de pacientes, não tenho esse vínculo de atendimento de longo prazo. Isso me dá muito mais flexibilidade do que alguém que atende em ambulatório. Além disso, por trabalhar com plantão, tenho uma renda mais estável a longo prazo do que um médico que tenha consultório – em ambulatório existem meses com mais atendimentos e meses mais vazios também. Então, minha previsibilidade de retorno financeiro é muito boa. O salário do emergencista se torna alto muito rápido mas, claro, tende a alcançar um teto e se estabilizar. Depois disso, se você quiser ganhar mais, vai ter que pensar em outras opções também, como empreender, criar uma empresa no setor, assumir um cargo de gestor, etc”.
QUAIS AS PRINCIPAIS VANTAGENS E DESVANTAGENS?
“Primeiro, as vantagens: é uma especialidade para quem gosta de medicina de fato, para quem é um amante de saber muito sobre outras especialidades. Outra grande vantagem é o bom retorno financeiro e uma previsibilidade de ganhos, isso é muito legal para você planejar sua vida. Além disso, tem também a versatilidade, não é uma especialidade monótona, são tantas as opções que você fica até sem saber qual delas fazer: dá para trabalhar em sala de emergência, fazendo pequenos procedimentos, fazendo transporte aéreo ou de ambulância, gestão, entre diversas outras possibilidades.
‘Desvantagem’ é uma palavra muito forte, mas existem características que podem afastar algumas pessoas da especialidade. Uma delas é a questão do vínculo com o paciente: embora no momento do atendimento a gente crie um vínculo muito forte, depois isso se perde, porque ele faz o seguimento dele na enfermaria ou no ambulatório com outros profissionais. Então, se você gosta que o paciente lembre de você, essa não é uma característica da especialidade.
Outra questão é o teto salarial: você alcança muito rápido, me arrisco a dizer que em cerca de 2 a 5 anos após terminar a residência você já alcança o limite salarial. Isso exige planejamento financeiro. E, por fim, tem também a questão de não ter reserva de mercado. Para mim é uma polêmica desnecessária, para quem é bom não existe reserva de mercado em lugar nenhum, mas isso é algo muito forte para algumas pessoas. Muita gente pensa que o recém-formado vai atuar no mesmo lugar que você, mas isso cai por terra muito rápido quando você começa a trabalhar em instituições importantes e vê que lá não tem nenhum recém-formado”.